20 abril 2015

MARIANO GAGO e ppc (Apesar de ...)

"Mariano Gago merecia, certamente, um pouco mais de respeito e um pouco menos de mesquinhez e pequenez políticas."


"A morte do homem público é, tradicionalmente, um momento em que convergem a banalidade e a hipocrisia. Faz parte da natureza humana. Na hora de comentar o desaparecimento de alguém, não falta quem se acotovele para elogiar, enaltecer, enfim, bem-dizer o defunto. No fundo, todos são extraordinários no momento em que desaparecem do mundo dos vivos. E tudo porque, quem não tem nada para dizer além do óbvio não resiste à tentação de abrir a boca.
Vem esta reflexão, pouco mais do que banal, a propósito de Mariano Gago. Confrontado com a notícia, e antes de proclamar as costumeiras trivialidades, Pedro Passos Coelho não encontrou melhor forma de iniciar o elogio fúnebre do que dizer "apesar de ter servido em governos do Partido Socialista...", como se a relevância de alguém se medisse pela cor da camisola que veste.
Além de uma falta de sensibilidade chocante, o que a afirmação do primeiro-ministro revela são vários traços que não deixam de merecer reparo. Em primeiro lugar, Pedro Passos Coelho confessa um ódio político inexplicável e intolerável a tudo o que não seja laranja. Como se ter sido servidor público num governo que não o seu ou numa administração que não mereça o seu apoio, seja uma espécie de maldição ou anátema que diminui a dignidade de alguém. Isto é, Passos surpreende pelo sectarismo próprio de outras paragens políticas que não são habituais nas águas em que o primeiro-ministro navega.
Por outro lado, declara uma razoável falta de sentido de Estado. Depois de afirmada a reserva mental contida na expressão "apesar de...", bem pode Passos Coelho dizer que não é tempo de recordar as diferenças, que o mal já está feito. Como se a grandeza e o legado de um homem com o currículo de Mariano Gago não esteja muito para além das baias partidárias.
Por fim, Pedro Passos Coelho não está mais do que a cometer um vitupério grosseiro. Arrancar um elogio com o prefixo "apesar de...", não é mais do que elogio em boca própria. Na verdade, o que o primeiro-ministro está a dizer é que, apesar de Mariano Gago ser alguém por quem tinha o mais profundo desprezo político e uma total falta de consideração partidária, é tão magnânimo que, na hora da sua morte, é capaz de pôr tudo isso para trás das costas, e reconhecer que ele até deu "um contributo inestimável para o progresso da ciência em Portugal".
Mariano Gago merecia, certamente, um pouco mais de respeito e um pouco menos de mesquinhez e pequenez políticas. Ser socialista, ao contrário do que transparece das palavras infelizes do primeiro-ministro, não é nenhum crime. Do mesmo modo que não apouca ninguém ser comunista, social-democrata ou democrata cristão. E quem não é capaz de perceber isto seria melhor que ficasse calado. A menos que estejamos perante um exemplo de má consciência. Isto é, se há coisa em que o atual governo tem sido prolixo é na forma militante como desmantelou o legado de Mariano Gago, desprezando de forma impiedosa e desgraçada, e a pretexto da crise, todo o aparelho de investigação científica em Portugal.
Como dizia um amigo meu, Pedro Passos Coelho inaugurou um novo voto, o voto de apesar. Será desse modo que, quando abandonar o governo, o atual chefe do executivo será lembrado. Apesar de tudo, apesar de todas as promessas falhadas, apesar de todos os orçamentos inconstitucionais, apesar do enorme esbulho fiscal, apesar da austeridade perpétua a que nos condenou esta semana, e apesar de tantas outras malfeitorias, apesar de tudo, Passos Coelho foi primeiro-ministro. E, quanto mais não seja, por isso merece respeito."

Aparecido no DN de ontem, escrito por Nuno Saraiva.

2 comentários:

José Cruz disse...

"Apesar de...", "...felicidade de ter morrido no dia tal..." (de outro da mesma corrente).
Não é"apesar de" mas "por causa disto tudo" que eu me permitia lembrar ao autor deste blogue que melhor seria o título "MARIANO GAGO e ppc", que mesmo assim não espelha a diferença de carácter, competência e sentido ético entre os mencionados (e outros).

Luís Silva Nunes disse...

Acho que tens razão ... já mudei o título!